Problemas Dermatoamorosos
 



Contos

Problemas Dermatoamorosos

Jonattan Castelli




Pela primeira vez na história a previsão do tempo tinha acertado: aquela noite era possivelmente a mais fria que Porto Alegre já tinha enfrentando. Temperatura negativa. De congelar até os ossos. Em razão disso, Julio e Cintia decidiram ficar em casa, tentando se aquecerem debaixo das cobertas, acompanhados de uma garrafa térmica cheia de quentão.
- Julio, Julio, vem cá, chega mais perto que eu quero ver uma coisa!
- O quê?
- Vem cá. Fica de costas. – Ela colocou a mão nas costas de Julio e ele se afastou, tremendo.
- Ai, não me toca, mãos de gelo.
- Ah, minhas mãos nem estão frias nada.
- Estão sim. E afinal, o que tu quer tocando nas minhas costas. Imagino que fazer uma massagem é que não é?
- Claro que não. É que tem uma espinha nela.
- Uma espinha? Tá. E daí?
- E daí que eu quero espremer.
- Bem capaz que tu vai fazer isso! Mas nunca. Tá louca?
- Por que não?
- Primeiro que é nojento. E depois, e mais importante, dói pra burro. Então vai esquecendo, mocinha.
- Mas eu quero. E vai ser rapidinho, eu juro. Não vai doer nada.
- Ah não, nem vem com esse papo. Não vai doer em ti, mas em mim vai. Aliás, que mania você tem de querer espremer minhas espinhas. Deixe-as em paz.
- Tu falou que espremer espinha era nojento, mas nojento mesmo é deixar aí, crescendo.
- A espinha é minha e faço com ela o que eu quiser. Além disso, eu vou passar uma pomada.
- Como você é chato. Não deixa eu fazer nada!
- Olha, se “nada” é me machucar e deixar um buraco na minha pele, bem, está certa. E chega pra lá. – Julio se deita na cama e se tapa com a coberta. Cintia fica de cara fechada, sem dizer uma palavra. Quando Julio pega um livro de contos do velho Ernest para ler, Cintia dá um daqueles suspiros de desagrado que as mulheres sabem fazer muito bem, quando são contrariadas.
– Que foi?
- Nada.
- Que foi?
- Nada.
- Nada, não. Algo está acontecendo. O que você tem?
- Não é nada não. Não te preocupa. Esquece.
- Oras, nem vem com essa Cintia. Eu sei bem que quando tu diz para eu não me preocupar é para eu ficar alerta e extremamente preocupado. O que foi que eu fiz agora?
- Tu não fez nada. É que....
- Logo vi que tinha algo.
- Ultimamente você não me acompanha pra nada. Além disso, me ignora e não deixa eu fazer nada.
- Isso tudo é por causa da espinha?
- Claro que não.
- Pois eu não acredito em ti. Quando foi que eu te ignorei ou não te acompanhei, eu estou sempre do teu lado.
- É, pode ser. Mas estar do meu lado não significa me acompanhar. Eu sei que às vezes tu estás comigo, mas fica pensando em outra coisa.
- Ah, agora eu tenho que estar contigo fisíca e mentalmente. Não posso pensar em nada que não seja você. Desculpe-me, então. Agora só vou pensar em você.
- Por favor, Julio, não seja irônico.
- Eu não estou sendo irônico.
- É claro que está! E além disso, você se interessa por outras mulheres.
- O quê?! Isso é uma mentira deslavada! Eu nunca te traí!
- Eu não disse que você me traiu. Só disse que você se interessa por outras mulheres. Você olha e deseja outras mulheres, que eu sei. E ainda por cima faz isso na minha frente.
- Mentira! Quando eu fiz isso?
- Ora, semana passada mesmo. Na festa da empresa. Eu te vi secando a Ritinha!
- Eu? Ritinha? Que Ritinha? Você está louca!
- Louca? Não. Eu sei o que eu vi. Você estava de olho na Ritinha e não se faça de desentendido.
- MAS EU NEM SEI QUEM É ESSA RITINHA!
- A RITINHA! A garota de vestido vermelho. Com as pernas de fora.
- Ah, sim! Ela!
- Tu é um tarado mesmo! E cara de pau.
- Agora eu não posso olhar para ninguém?
- Não na minha frente. E ainda mais de um jeito tão descarado.
- Nem vem, Cintia. Vai dizer que tu nunca fez isso.
- Eu nunca.
- Nunca?
- Nunquinha.
- Tá bom. Vou fingir que acredito.
- E tem mais, eu sei que tu beijou aquela moça lá no clube.
- Eu não beijei. Ela estava se afogando e eu a salvei e fiz respiração boca a boca.
- Sei, bem, meu herói! E a Raquel?
- Que Raquel?
- QUE RAQUEL? TUA EX.
- Ah, ela. Que é que tem?
- Eu sei que ela te adicionou no Facebook.
- Tá, e daí?
- E daí que tu aceitou.
- E o que é que tem?
- O que é que tem é que ela é tua ex!
- Não vejo nenhum problema nisso. Somos civilizados. Só conversamos.
- Eu não acredito que tu esteja dizendo um disparate desses! Quando eu disse que tinha visto o Armando tu quase me matou!
- Eu?
- Surtou, bem ali, no meio da sala. Agora tu vai me dizer que ser amiguinho da ex no facebook é normal? E mais: tu curtiu uma foto dela! Na praia! De biquíni! – Julio engole seco – E então, não vai dizer nada?
- Eu...
- Você?
- Eu....
- Fala, homem. – Julio suspira.
- Tudo bem, você ganhou. Pode espremer a minha espinha.
J.R.C.

 

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